Por que este é o momento certo para o hidrogênio?
“O hidrogênio está passando hoje por um momento sem precedentes. O mundo não deve perder esta oportunidade única de fazer do hidrogênio uma parte importante de nosso futuro energético limpo e seguro.”
— Dr. Fatih Birol, Executive Director, International Energy Agency
A ênfase do Dr. Birol em aumentar o uso do hidrogênio como combustível do presente e do futuro vem à medida que enfrentamos as realidades das mudanças climáticas. O planeta certamente se tornou mais quente do que seu nível pré-industrial. Segundo a NASA, a temperatura global aumentou 1,818 °F (1,01 °C) desde 1880 e continua a tendência de aumento. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que inclui mais de 1.300 cientistas dos Estados Unidos e outros países, prevê um aumento de temperatura de 2,5 a 10 graus Fahrenheit durante o próximo século.
No vídeo abaixo, o mapa codificado por cores na projeção Robinson da NASA mostra uma progressão de anomalias de temperatura da superfície global em mudança. As temperaturas normais são mostradas em branco. As temperaturas mais altas que as normais são mostradas em vermelho e as temperaturas mais baixas que as normais são mostradas em azul. As temperaturas normais são calculadas ao longo do período de base de 30 anos 1951-1980. O quadro final representa as anomalias de temperatura global de 5 anos de 2017-2021. Escala em graus Fahrenheit.
Em 2015, vários líderes mundiais de 195 países se reuniram em Paris e selaram um acordo sem precedentes para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, para manter o aquecimento global sob controle. A meta é atingir a neutralidade de CO2 até 2050. Após este evento, os governos prepararam estratégias, novas políticas e criaram alternativas para substituir os combustíveis fósseis. O hidrogênio era um combustível alternativo de ponta. Mais de 30 países lançaram estratégias utilizando hidrogênio, e mais de 500 empresas seguiram o modelo nas definições de suas metas para 2050. Existem mais de 200 projetos ativos de hidrogênio em todo o mundo.
O que há de tão único no hidrogênio?
O hidrogênio possui três vezes mais energia por quilograma do que qualquer hidrocarboneto (os principais componentes do petróleo e do gás natural), e produz zero emissões de carbono no ponto de utilização. O uso do hidrogênio como combustível parece tão atraente porque a queima de hidrogênio produz apenas água.
Os benefícios ambientais, por si só, são um fator importante e era esperado que economicamente, esse modelo de energia se tornasse competitiva economicamente em alguns anos. Porém, o aumento de cerca de 45% nos preços europeus do gás nos últimos meses adiantou cerca de uma década a competitividade de custos. Planos ambiciosos estão sendo trabalhados para tornar o hidrogênio um substituto viável para os combustíveis fósseis na fabricação, no transporte e no aquecimento.
Desafios ao trabalhar com hidrogênio
O que nos impede de passar completamente ao uso do hidrogênio? O desafio mais básico vem da baixa densidade volumétrica de energia, fazendo com que ele tenha menos de um terço de energia por unidade de volume em comparação com o gás natural. Também há desafios em todos os aspectos: produção, armazenamento, transporte e utilização.
Etapa de produção: Hidrogênio cinza, azul e verde
Atualmente, a maior parte do hidrogênio é produzida utilizando o processo de reforma a vapor do metano (SMR). Neste processo, o gás natural é utilizado na reforma a vapor em um catalisador de níquel a cerca de 850 graus Celsius. Este processo tem maior eficiência de rendimento (a unidade de entrada necessária para produzir uma unidade de produção) de 75% a 80%. Entretanto, esta forma de produzir hidrogênio, também conhecido como hidrogênio cinza, leva a emissões que são mais elevadas do que as da simples queima de combustível fóssil e, portanto, seriam prejudiciais ao meio ambiente.
O hidrogênio azul é um termo industrial para a produção a partir do gás natural, por meio da captura e armazenamento de carbono. O hidrogênio é rotulado de azul sempre que o carbono gerado pela reforma a vapor passar pelo processo de captura e armazenamento industrial.
O hidrogênio verde é comumente chamado assim pois não há emissões que afetem negativamente o meio ambiente. É a melhor alternativa para a sustentabilidade a longo prazo, por meio da eletrólise. Neste processo, a água é dividida em hidrogênio e gás oxigênio, passando uma corrente elétrica através dela. Veja um esquema do processo de eletrólise abaixo.
Para tornar a eletrólise uma solução viável precisamos adotar energias renováveis de baixo custo, como a energia solar ou a energia eólica. Assim, não haverá emissões que afetem negativamente o meio ambiente. Hoje, menos de 5% de todo o hidrogênio produzido é verde. Ainda levará algumas décadas para a transição que trará o hidrogênio verde à paridade com o cinza, em termos de volume e custo de produção. Conforme o relatório do Conselho de Hidrogênio, “Hydrogen Decarbonization Pathways: Cenários de fornecimento potencial”, espera-se que o imposto cobrado sobre a produção de hidrogênio cinza aumente significativamente, o que tornaria a produção menos acessível.
Armazenamento e transporte
Atualmente, a maior parte do hidrogênio é produzida no local e utilizado no ponto de fabricação. O transporte ainda é um processo dispendioso devido à baixa densidade e, portanto, sua aplicação não é estendida atualmente. Entretanto, existem planos para possibilitar o transporte em forma gasosa ou criogênica ou combiná-lo com metais e depois transportá-lo para o local de utilização para que possa ser facilmente recuperado. Desta forma, o hidrogênio como combustível poderia ser utilizado em outras aplicações em todas as indústrias. A figura abaixo lista os métodos mais comuns de armazenamento.
Existem certas características do hidrogênio que precisam ser consideradas durante o armazenamento e o transporte. Ele é muito mais leve do que os combustíveis fósseis, e também propenso a vazamentos. Seu elevado limite de inflamabilidade, combinado com baixos requisitos de energia de ignição e alta velocidade de chama, apresenta os perigos de autoignição e explosão. Portanto, precisamos de métodos mais modernos, mais seguros e mais duráveis para armazenar e transportar hidrogênio. Isto também deve incluir um menor custo por unidade de massa e métodos mais fáceis de manusear.
Desafios na utilização do hidrogênio como combustível
Em princípio, o hidrogênio pode ser usado como combustível em qualquer incinerador ou em células de combustível. Em aplicações de combustão, ele é eficiente devido a sua maior velocidade de chama, maior limite de inflamabilidade e zero emissões tóxicas. Entretanto, sua temperatura de chama adiabática mais alta (a temperatura que resulta de um processo de combustão completo) e o flashback de chama representam grandes desafios, pois estas características podem aumentar a geração de óxidos de nitrogênio (NOx) e reduzir a expectativa de vida dos incineradores. Ainda há a necessidade de entender o complexo comportamento de combustão do ponto de vista da segurança.
Em aplicações de células a combustível, elas liberam zero emissões, operam silenciosamente, não oferecem problemas de carga e têm boa eficiência térmica (até 60%). Em geral, uma combinação de célula de combustível e motor elétrico (cerca de 45% de eficiência), poderia ser uma melhor escolha em comparação com motores diesel de alto desempenho ou turbinas a gás (ambos também com cerca de 45% de eficiência). Porém, devido à falta de infraestrutura adequada e aos requisitos para tanques de combustível maiores, as células de combustível não estão crescendo a um ritmo tão rápido quanto gostaríamos.
Como a simulação pode ajudar
Para acelerar este processo, precisamos entender cada aspecto de uma economia de hidrogênio e seu ciclo de vida. Mas, antes de tudo, devemos estar prontos para aceitar que nosso conhecimento atual é mais teórico. Precisamos “canalizar” esse conhecimento para aplicações industriais do mundo real. Devemos superar os desafios discutidos acima em um caminho rápido para perceber o real potencial, e as simulações são parte fundamental desta exploração.
As simulações são fundamentais para avaliar o desempenho de dispositivos em plantas SMR, analisar o desempenho da eletrólise, realizar análises de segurança, estudar o desempenho de diferentes métodos de armazenamento, compreender as características de combustão e muito mais. O valor da simulação já está comprovado para validações virtuais de alta fidelidade, podendo fornecer insights sobre todos os aspectos do desempenho que ajudam na tomada de decisões críticas. É imprescindível para implantar o uso hidrogênio entre as indústrias e a melhor maneira de testar e ajustar rapidamente todas as possibilidades de inovação.
Nas últimas décadas, os engenheiros passaram a utilizar ferramentas de simulação para prototipagem virtual e criaram um processo de projeto baseado em simulação para utilização de hidrogênio em incineradores. Este fluxo de trabalho digital começa antes que o primeiro protótipo físico seja fabricado, o que pode economizar tempo e custos significativos. Por exemplo, a simulação do processo de combustão de hidrogênio revelou um flashback de chama, que pode prejudicar os componentes. Para superar este obstáculo, os engenheiros simularam a combustão de misturas de combustível à base de hidrogênio, e os resultados já são animadores.
As simulações estão ajudando os engenheiros a derivar a composição da mistura que pode evitar condições como instabilidades de chamas, flashbacks e outros obstáculos para determinados projetos e condições operacionais. Também está ajudando a projetar e avaliar diferentes conceitos de projeto como micromistura e injeção de ar axial para mitigar o desempenho indesejado.
Outra área onde a simulação é muito utilizada é a previsão de autoignição de hidrogênio devido à ruptura repentina dos tanques de armazenamento. Isto é muito importante para garantir a segurança durante o manuseio e o transporte de longa distância. A figura abaixo mostra uma ignição bem sucedida a 250 bar devido a uma ruptura. Em um estudo semelhante, a 50 bar, não foi observada nenhuma ignição. Tais informações ajudam no redesenho dos tanques.
Os engenheiros utilizam a simulação de células a combustível em vez de experimentos reais. É uma tecnologia alternativa para aproveitar a energia armazenada em hidrogênio. Isto é diferente do processo tradicional de combustão do combustível, onde a energia está diretamente disponível na forma de energia elétrica em vez de energia térmica. As células a combustível de membrana de troca de prótons (PEMFC) são a tecnologia mais amplamente utilizada para aplicações automotivas. A confiabilidade das PEMFC é diretamente afetada pelo conteúdo de água, temperatura e concentração de espécies de gás; portanto, o conhecimento dos processos físicos é necessário para um melhor projeto e controle.
A distribuição espacial de vários parâmetros físicos é difícil de ser medida através de experimentos. Entretanto, as simulações utilizando dinâmica dos fluidos computacional (CFD) podem capturar todo o campo 3D de interesse. A figura abaixo mostra a distribuição das correntes através da membrana da célula de combustível. A não uniformidade da corrente é observada em direção às extremidades, o que é uma visão importante para o projetista na melhoria do projeto da célula de combustível.
Com base na visão de sustentabilidade de algumas das principais empresas, o hidrogênio enfrenta uma forte concorrência na indústria de transportes. O mundo já viu a Toyota lançar seu primeiro veículo movido a hidrogênio, Mirai, em 2015. No entanto, existem apenas cerca de 20.000 automóveis movidos a hidrogênio no mundo todo, em comparação com 20 milhões de veículos elétricos. A Airbus revelou seus planos de avançar para aeronaves movidas a hidrogênio com emissão zero até o final de 2035. Também assistimos ao lançamento do primeiro navio transportador de hidrogênio no Japão, e a Kawasaki Heavy Industries está recebendo o primeiro terminal de recebimento de hidrogênio liquefeito do mundo.
A humanidade tem visto muitos altos e baixos, e cada vez nós temos conseguido melhorar extraordinariamente os avanços tecnológicos. Desta vez, o desafio é realmente assustador, pois aa mudanças climáticas tem a capacidade de afetar severamente a vida no planeta como a conhecemos. Embora tenhamos menos tempo para corrigir nossos erros, uma nova economia mundial baseada no hidrogênio apoiada por políticas adequadas, aumento de pesquisa e desenvolvimento, e foco nosso objetivo é capaz de trazer as melhorias que precisamos.