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Fadiga multiaxial não proporcional no ANSYS Workbench
Há um bom intervalo desde que os primeiros testes de fadiga, em eixos ferroviários, começavam a ser executados sob o comando daquele que, algum tempo mais tarde, viria a ser conhecido como o divisor de águas na sistematização e no estudo do fenômeno da fadiga. O ano era 1969, e o local, Berlim. A metodologia hoje conhecida como SN ganhava um pai, bem como as curvas que ele deixou de herança: as curvas de Whöler. Muita coisa mudou desde então. Vários foram os contribuintes para melhor entendimento do fenômeno e não raros foram os esforços na tentativa de sistematizar os testes e criar metodologias de cálculo que pudessem chegar mais perto de predizer o real número de ciclos a que um componente poderia ser submetido de maneira segura. Não fazendo justiça a todos, a maioria esmagadora dos textos disponíveis aponta apenas os nomes de Fairbairn, Whöler, Goodman, Gerber, Coffin, Manson, Griffith, Irwin e Paris. De lá pra cá os métodos numéricos ganharam força e popularidade no meio acadêmico e industrial, especialmente o método das diferenças finitas, dos volumes finitos e dos elementos finitos. Este último, por razões históricas e práticas, resolveu se casar com a análise estrutural. Essa união foi particularmente importante no estudo do fenômeno da fadiga porque, pela primeira vez, seria possível dispensar o fator modificador conhecido como Kt, uma vez que, com os métodos disponíveis, agora seria possível descrever o comportamento da estrutura em todo o meio contínuo (representado por modelos discretos). A tridimensionalidade do método dos elementos finitos trouxe um problema extra para os estudiosos. Semelhantemente ao trabalho de Von Mises, teríamos agora de nos preocupar com um tensor de tensões e deformações alternadas e médias. Num primeiro momento, não se sabia o que fazer com eles, de forma a chegar a um número que pudesse ser comparado ao assim designado limite de fadiga. Ainda hoje não se sabe muito bem, para alegria dos céticos de plantão. A despeito de todas as críticas, muito embora, os softwares comerciais procuraram se adaptar às necessidades da área e, especialmente, o código ANSYS, tendo recentemente incorporado ferramentas muito úteis no módulo conhecido como Fatigue Module. E é sobre ele as linhas que se seguirão. A multiaxialidade dos fenômenos é mais intuitiva que a não proporcionalidade. A multiaxialidade tem a ver com tridimensionalidade. Os esforços atuam em várias direções, simultaneamente ou não, em cada ponto do meio contínuo discretizado, conhecido como nó. A não proporcionalidade já é mais sutil. Ela tem a ver com as direções principais do tensor de alternadas, que pode ou não variar a cada momento da vida útil do componente. Se elas variarem, fica caracterizada a não proporcionalidade, que deverá ser tratada de uma maneira especial, que descreveremos a seguir. Para ilustrar o tema proposto, um exemplo clássico da indústria automobilística será tomado como exemplo: o pistão (figuras 1 e 2), coração dos motores de combustão interna e também personagem de um dos fenômenos mais complexos e interessantes dentro da mecânica automobilística.
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Figura 2 – PowerCell e Powetrain.
A análise de um pistão envolve muito know-how e uma seqüência de cálculos muito extensa, que não faz parte da nossa pauta. De uma maneira muito simples, podemos dizer que o cálculo começa com o estudo da combustão e da dinâmica de troca de calor com os componentes vizinhos, a saber: anéis (normalmente são três), cilindro, pino, bucha e biela. Destes estudos nascem os HTC’s (Heat Transfer Coefficients), que determinarão o mapa de temperaturas a que o pistão estará sujeito (Figura 4) para cada regime do motor (marcha lenta, alta rotação sem carga, potência, torque, etc). Com alguns poucos controles a malha no pistão da Figura 1, no Workbench, fica próxima a da figura 3.
Um motor Otto típico, 1.0L (figura 2), com potência na casa de 80kW em regime de potência, a 5500rpm em liga de alumínio, teria distribuição de temperatura semelhante à figura 4. O modelo do qual estamos falando, é bom deixar claro, não pertence a nenhum fornecedor e nenhuma montadora. Os números mostrados são qualitativos e não devem ser utilizados em qualquer tipo de cálculo nesta área.
Se apenas o carregamento térmico agisse no componente, as tensões atuantes seguiriam uma distribuição semelhante à figura abaixo (Figura 5). O topo do pistão está sujeito às maiores deformações, naturalmente. Escala: 30:1.
Embora o pistão nunca esteja totalmente descarregado, mecanicamente, podemos admitir, didaticamente, que as tensões acima representem um dos extremos das condições de trabalho a que o mesmo estará exposto. Quando o pistão não está realizando trabalho no ciclo do qual participa, ele está ou expulsando os gases resultantes da combustão ou admitindo uma nova mistura para ser comprimida e queimada. Na ausência da pressão exercida pelos gases da combustão interna, o pistão ainda estará sujeito a grandes acelerações, devido às inversões no movimento de translação. Considerando o regime de potência, por exemplo, podemos ter uma idéia do que significa acelerar e frenar todas as massas envolvidas 92 vezes por segundo. No outro extremo da cadeia de solicitações está a PCP (Peak Combustion Pressure) agindo na superfície do topo do pistão (aproximadamente 80bar). Agindo também a temperatura, no momento da explosão, o quadro composto passa a ser denominado de análise termo-mecânica (figura 6). A concentração de tensão indicada é fruto das hipóteses simplificadoras assumidas. No presente caso o pino fora excluído das análises, o mesmo que dizer que o pino é infinitamente rígido. A tendência, contudo, está correta e os furos para pinos de pistões são normalmente castigados, como mostra a ilustração abaixo.
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Figura 6 – Tensões (Von Mises) resultantes de análise termo-mecânica.
Agora precisamos compor o cenário da análise de fadiga. Independentemente da metodologia adotada (SN ou EN), o procedimento é o mesmo. É necessário fazer uso de uma ferramenta denominada (Solution Combination), como mostrado na Figura 7. Selecionaremos dois (Environments), Thermal Stress & Thermal Mechanical, como mostrado na tabela.
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Figura 7 – Solution Combination.
É possível ajustar o fator de participação de cada um dos ambientes selecionados. Um clique no botão direito acima do (Solution Combination), selecione (Fatigue Tool), como normalmente seria feito numa análise comum (figura 8).
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Figura 8 – Fatigue Tool
Na janela de detalhes, troque (Fully Reversed) para (Non-Proportional) e também de (None) para (Goodman) no campo (Mean Stress Theory) , figura 9. Trata-se do critério para correção das cargas médias. É bom lembrar que tensões médias compressivas são benéficas à vida à fadiga, enquanto que tensões trativas são deletérias. É preciso também fazer a escolha pelo componente de tensão que será tomado como referência. O método de Sines sugere o uso da tensão equivalente de Von Mises aplicado ao tensor das alternadas, o que é muito discutível nestas circunstâncias. O traço do tensor de médias (primeiro invariante) é utilizado como média escalar no critério de Sines. Alguns autores sugerem a adoção do Von Mises Sinalizado, ou (Signed Von Mises), como também é conhecido (figura 10).
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Figura 9 – Carregamento não proporcional e correção das cargas média.
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Figura 10 – Componente de tensões e escolha de resultado.
Diante de uma boa gama de opções, que o Workbench oferece, as mais utilizadas são mesmo a vida (Life), dano (Damage), o fator de segurança (Safety Factor), figura 11, e a tensão alternada equivalente com média zero (Equivalent Alternating Stress), figura 12. Se o usuário preferir, é possível solicitar que os resultados sejam apresentados em alguma unidade temporal (horas, por exemplo), ao invés de apenas ciclos de reversão. Como apontam as figuras abaixo, teremos problemas com a região do furo para pino do pistão. Se a metodologia escolhida for EN, então é possível contar com o poderoso recurso da correção de Neuber. É como uma pseudo análise elasto-plástica e é aceitável quando não se tem grandes deslocamentos e grandes deformações. É uma forma barata, digamos, de introduzir não linearidade de material nas análises. A regra não é largamente generalizável, é bom que se diga, e o campo de validade da mesma deve ser cuidadosamente avaliado.
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Figura 11 – Fatores de segurança à fadiga.
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Figura 12 – Tensões alternadas equivalentes (média zero).
DOWNLOADPor Giovanni de Morais Teixeira, ESSS