ASME VIII: utilização de métodos computacionais na verificação de normas técnicas
A Norma ASME VIII é dedicada à definição dos requisitos de projeto para vasos de pressão. Por mais de um século as regras descritas no seu escopo dão a segurança para o desenvolvimento de caldeiras, tanques de armazenamento e, até mesmo, sistemas de dutos. Embora mais recente, os modelos de análise via método dos elementos finitos vem se tornando parte importante da avaliação segundo as regras do Código ASME. Sua utilização está relacionada a dois fatores preponderantes em qualquer processo de desenvolvimento: agilidade de projeto e redução de custos.
Atualmente é possível modelar tridimensionalmente a geometria do vaso de pressão avaliado, gerando uma malha de elementos finitos em segundos e efetuando o processamento da análise em poucos minutos. Com um clique é apresentada a divisão dos esforços resultantes em tensões de membrana, flexão e pico. Com a mesma agilidade é alterada qualquer espessura de chapa, avaliando o componente com nova condição geométrica. Entretanto, esse avanço é resultado de décadas de avanços no Código ASME e no desenvolvimento computacional.
E tudo começa, infelizmente, numa tragédia em uma fábrica de calçados…
Norma ASME VIII
Brockton, Massachusetts, inverno de 1905. Uma explosão destrói os quatro andares da empresa americana R. B. Grover. O fogo consome destroços e construções vizinhas, impedindo o socorro aos funcionários presos nos escombros. A catástrofe, um dos maiores desastres da indústria americana, resulta em 58 mortes e 150 feridos. O motivo da explosão é estabelecido como uma falha na caldeira responsável pelo aquecimento da fábrica.
Esta tragédia é o capítulo final de uma história repetida inúmeras vezes. Entre os anos de 1880 e 1890, aproximadamente 2.000 explosões de vasos de pressão ocorreram somente nos Estados Unidos. No início do século XX mais de 1.600 explosões causaram a morte de cerca de 1.200 pessoas. A reincidência destes fatos, agora somados a um incidente em escala nunca antes presenciado, era o sinal de que alguma medida deveria ser tomada para eliminar esse risco iminente. Assim, em 1911 é criada a ASME Boiler and Pressure Vessel Code (BPVC), uma série de regulamentações que fornece as diretrizes para a fabricação de componentes de caldeiras e vasos de pressão.
A primeira edição é lançada no ano de 1915 (Edição de 1914) com apenas 114 páginas, mas é saudada como um marco na busca pela proteção e segurança da população. Avanços e incrementos de normas são realizados em cada atualização do código, resultando atualmente em 28 livros dedicados a diferentes segmentos de avaliação, tais como materiais, processos de fabricação, ensaios não destrutivos, etc. A versão de 2011, por exemplo, alcançou a marca de 16.000 páginas de diretrizes, tornando-se assim a maior norma ASME já disponibilizada!
Dentro do BPVC, a Seção VIII Divisão 1 se destaca por ser específica para o cálculo estrutural dos vasos de pressão. Com regras simples e de fácil avaliação, esta seção se mantém como uma das mais utilizadas até os dias atuais. Essa simplicidade, entretanto, é baseada em premissas conservativas, resultando em produtos com alto fator de segurança e, consequentemente, maiores custos de matérias-primas e de processos produtivos.
Atenta as novas demandas de mercado, a ASME desenvolve então, em 1975, a Seção VIII Divisão 2. Essa nova normativa busca uma equalização entre a manutenção da segurança de projeto e a redução de custos de fabricação, aliando ao processo de avaliação as novas tecnologias desenvolvidas durante o século XX.
Métodos computacionais na verificação da Norma ASME
Apesar da atualização da Seção VIII, o final do século resulta em uma encruzilhada para a ASME – como utilizar as ferramentas de simulação computacional, que se tornam a cada ano mais rápidas e eficientes nas avaliações estruturais, mantendo os requisitos estipulados pelo seu código? A resposta é a reestruturação do Código ASME VIII Divisão 2.
Em 2007, após somente nove anos da decisão de reescrever a Divisão 2, é disponibilizada a versão moderna da Norma ASME. Se utilizando de critérios de execução via método dos elementos finitos, permite a avaliação de vasos de pressão de maneira mais aprofundada. Os resultados se tornam mais complexos e rigorosos, entretanto, sua verificação virtual ocorre de maneira simples e rápida.
Fica evidente também a possibilidade de redução de custos de fabricação, já que o critério de aceitação de tensões residuais é ampliado, tornando possível, por exemplo, a redução de espessura de parede destes vasos de pressão. O artigo “Investigation into the Benefits of using ASME BPVC Section VIII Division 2 in Lieu of Division 1 for Pressure Vessel Design” publicado em 2013 estipula que a redução de custo final ultrapassa os 10%, enquanto a redução de peso do componente pode chegar a mais de 20%!
Complementarmente, há o entendimento quanto à diminuição de custos de projeto. Através da otimização do modelo em estudo surge a possibilidade de avaliar simultaneamente diferentes formatações virtuais de um mesmo produto. Nesse estágio se busca, em tempo reduzido, a verificação do modelo ideal no qual será definido para posterior validação e fabricação.
Nesse aspecto o ANSYS Workbench – uma das principais plataformas de simulação computacional utilizadas em todo o mundo – possui excelentes ferramentas para execução de toda a etapa de preparação da geometria a ser analisada. Também é eficiente na geração de malha e definição de carregamentos e restrições impostas. Por fim, possui ferramentas específicas de avaliação de linearização de tensões residuais, requisito fundamental de verificação de resultados especificado no Código ASME Seção VIII Divisão 2.
A busca pela excelência no projeto e desenvolvimento de vasos de pressão é incessante. Três dias após o desastre em Brockton, Edwardt H. Keith, prefeito da cidade, proferiu uma frase simbólica: “Queira Deus que nunca mais em toda a nossa história futura tenhamos que ser chamados a presenciar uma experiência tão terrível”. Esta incumbência, entretanto, não é divina, mas sim uma obrigação de todo engenheiro, que deve ter a sustentação de suas escolhas em normas e softwares reconhecidamente eficientes, na busca incessante pela segurança, proteção e bem estar da população.